A forma federativa de República, instituída pela Constituíção de 1891, criou de fato um sistema de governo descentralizado, fortalecendo os poderes estaduais e municipais, que ficaram com uma série de atribuições. Com a entrada em vigor do novo texto constitucional, os estados puderam eleger seus presidentes e passaram a contar com uma legislação própria, que tornava possível a criação de impostos, a manutenção e o controle das forças policiais e o estabelecimento de um poder judiciário de abrangência estadual.
No entanto, essa forma forma descentralizada não garantia uma democracia representativa. Na prática, havia mecanismos que favoreciam as elites agrárias regionais, que se sentiam livres para aumentar ainda mais seu poder. O sistema eleitoral, por exemplo, funcionava como mecanismo de legitimação do poder local. Tratava-se de um sistema viciado: o voto não era secreto e o partido no poder controlava as eleições. Nesse esquema, a pessoa tinha de votar em determinado candidato, pois podia sofrer sérias represálias caso se negasse. Era o chamado "voto de cabresto".
Em todos os estados, quem formava a base das oligarquias eram os chefes políticos locais, em geral grandes fazendeiros ou comerciantes, que controlavam o processo eleitoral em cada região, os chamados coronéis. Eles eram assim chamados porque tinham feito parte da antiga Guarda Nacional.
Controlando a política local, o coronel tinha influência determinante sobre a nomeação do delegado e do juiz e sobre a eleição do prefeito. Na maioria dos municípios, esses cargos eram exercidos por seus parentes, amigos ou afilhados políticos, quando não por ele próprio. Dessa forma, o poder pessoal do coronel, decorrente da sua condição de grande proprietário, se sobrepunha aos poderes institucionais. As pessoas eram forçadas a manter com ele uma relação de dependência, pois precisavam de seus favores e de sua influência.
Ainda hoje no Brasil, práticas como o clientelismo, a troca de favores e o mandonismo, características do coronelismo, são comuns. A compra do voto com cesta básica, material de construção etc. - e distribuição de cargos a apadrinhados dos políticos influentes, por exemplo - fazem parte da cultura local de muitos municípios do país.
( Texto retirado do livro História, Divalte Garcia, Ática,2005 pag.299)
Coronelismo
O coronelismo tem sido entendido como uma forma específica de poder
político brasileiro, que floreceu durante a Primeira República
(República Velha), e cujas raízes remontam ao Império; já então os
municípios eram feudos políticos que se transmitiam por herança --
herança não configurada legalmente, mas que existia de maneira informal.
Uma das grandes surpresas dos republicanos históricos, quase
imediatamente após a proclamação da República, foi a persistência desse
sistema, que acreditavam ter anulado com a modificação do processo
eleitoral.
A Constituição Brasileira de 1891 outorgou o direito de voto a todo
cidadão brasileiro ou naturalizado que fosse alfabetizado; assim,
pareciam extintas as antigas barreiras econômicas e políticas, e um
amplo eleitorado poderia teoricamente exprimir livremente sua escolha.
Porém, verificou-se desde logo que a extensão do direito de voto a todo
cidadão alfabetizado não fez mais do que aumentar o número de eleitores
rurais e citadinos, que continuaram obedecendo aos mandões já
existentes.
A base da antiga estrutura eleitoral se alargara, porém os chefes
políticos locais e regionais se mantiveram praticamente os mesmos, e
continuaram elegendo para as Câmaras, para as presidências dos Estados,
para o Senado, seus parentes, seus aliados, seus protegidos. De onde a
exclamação desiludida de muito republicano histórico: "Esta não é a República dos meus sonhos".
(Maria Isaura P. de Queiroz. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: Sergio B. de Holanda, Boris Fausto, orgs. História geral da civilização brasileira.5.ed. São Paulo, Difel, III, vol1, 1989, p. 155)
A República do "café-com-leite"
No
início da República, não existiam partidos políticos nacionais. O que
havia eram agremiações regionais, independentes umas das outras, como o
Partido Republicano Mineiro (PRM), o Partido Republicano Rio-Grandense
(PRR) e o Partido Republicano Paulista (PRP). Embora todos se
denominassem republicanos, não faziam parte de um partido nacional, com
um programa único e uma só política.
Também
não havia partidos de oposição. As lutas políticas entre os diferentes
setores das elites estaduais se davam no próprio partido republicano
local. A única exceção era o Rio Grande do Sul, onde a oposição se
articulava em torno dos federalistas, que enfrentaram o governo de Júlio
de Castilhos, entre 1893 e 1895. Em 1922, os federalistas gaúchos se
juntaram a outras correntes de oposição e criaram a Aliança Libertadora,
que passou a se chamar Partido Libertador a partir de 1928.
Nos
primeiros anos da República, o poder central foi exercido por dois
marechais, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Com a eleição de
Prudente de Morais em 1894, as elites agrárias de São Paulo, por
intermédio do PRP, ganharam força e passaram a controlar o poder. A
partir da presidência de Campos Sales (1898-1902), o PRP se uniu aos
republicanos de Minas Gerais, estado mais populoso do país e com maior
número de eleitores. Assim nasceu a chamada política do
"café-com-leite", por meio da qual a oligarquia mineira e a paulista
passaram a se revezar no poder até 1930.
A
alternância das duas maiores oligarquias no governo foi aprovada pelas
elites dos outros estados, em função das vantagens que oferecia. Para
que os políticos desses estados não se sentissem alijados do poder,
Campos Sales instituiu, por volta de 1900, a chamada política dos governadores.
Tratava-se
de um pacto de governabilidade, pelo qual o poder central se
comprometia a apoiar os grupos dominantes nos estados, desde que estes
lhe dessem sustentação no Congresso Nacional. Para garantir seu
funcionamento, havia as Comissões de Verificação de Poderes, uma na
Câmara dos Deputados e outra no Senado.
Não
havia na época uma justiça eleitoral como a que temos atualmente. Quem
determinava se um deputado ou senador recém-eleito podia tomar posse no
cargo eram as respectivas comissões de verificação de poderes,
controladas pelo governo. Se o parlamentar eleito por um estado fosse de
oposição ao governo desse estado, corria o risco de não ser empossado
pela Comissão de Verificação de Poderes. Dizia-se nesse caso que ele
havia sido "degolado".
Os
dois mecanismo de poder -- a aliança do café-com-leite e a política
dos governadores -- se complementavam e vigoraram até a Revolução de
1930. Durante esse período, sofreram apenas duas interrupções. A
primeira, em 1910, quando o PRP apoiou a candidatura de Rui Barbosa à
Presidência, na Campanha Civilista. Nessa ocasião, os
partidos republicanos de Minas e Rio Grande do Sul apoiaram o marechal
Hermes da Fonseca. Eleito presidente, ele promoveu a derrubada de
algumas oligarquias estaduais do Nordeste, por meio de uma aliança entre
tropas do Exército e forças populares. Essa política, conhecida como salvações nacionais,
foi aplicada em Pernambuco, na Bahia, no Ceará e em Alagoas. Em todos
esses estados, os presidentes foram depostos e substituídos por
militares fiéis ao marechal.
A
segunda interrupção do grande pacto entre as oligarquias ocorreu em
1930, quando os mineiros se aliaram novamente aos gaúchos para derrubar,
com o apoio popular, o governo de Washington Luís, membro do PRP. Por
todas as características analisadas nesses textos, o regime republicano
extinto com a Revolução de 1930 ficou conhecido como República Oligárquica, República dos coronéis, ou República do café-com-leite. Mais tarde, ele seria chamado também Primeira República ou República Velha.
( Texto retirado do livro História, Divalte Garcia, Ática,2005 pag.300)
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